Há
uma história no livro de Gênesis que é um retrato da saga humana. A história de
Hagar e seu filho Ismael, cujo pai é Abraão. Como Sara, mulher de Abraão não
podia dar a luz, teve a ideia de usar Hagar como “barriga de aluguel” para
resolver o problema da descendência de seu marido. Isso gerou muita confusão na
casa do patriarca.
Hagar fugiu para o deserto pela
primeira vez, mas voltou para a casa de Abraão. Depois de 14 anos, Sara,
milagrosamente, deu à luz a Isaque. Confusão sobre
confusão, pois agora não somente as mulheres disputavam, mas também os filhos,
o que fez Sara coagir Abraão a expulsar a escrava com seu filho.
Hagar
e Ismael vão para o deserto pela segunda vez. Mas agora acaba o pão e a água e
a fé e força para viver. Hagar se afasta de seu filho para não o ver morrer e
começa a gritar e a chorar.
No
meio de sua crise, gritos e soluços, Hagar ouve a sugestão divina “levante-se,
pegue seu filho e abrace-o!”. É o que faz Hagar: aperta o menino contra seu
peito e então a vida renasce: Hagar percebeu um poço que sempre esteve ali.
O
que salvou Hagar e Ismael não foi a fé, mas o amor.
O
abraço – um gesto desprovido de sofisticação, certezas, teologias os devolveu à
vida. Imagino que enquanto Hagar abraçava o seu filho pensava “meu filho
precisa de mim, não vou desistir, não vou entregar os pontos, meu filho precisa
de mim! Não por mim, mas por ele!"
O
amor de Hagar pelo filho a salvou. A situação de Ismael reivindica o amor de
Hagar. E o amor em ato salva os dois.
Responder
por alguém nos cura, nos salva, nos devolve à vida. Amar nos livra de uma vida
sem sentido. A resposta para questão do ser é amar.
Quando
na bifurcação da vida, onde as certezas nos abandonam, onde nos vemos
impotentes, onde nos falta a fé, o que pode nos salvar são os nossos amores.
Quando
estiver encrencado não fique dando voltas em torno de si, mas se descentralize
e ame a alguém.
Quantos
projetos não colapsaram por causa da urgência de amar!
Um
sacerdote não desistiu de sua vocação não porque ainda restasse fé, mas por se
lembrar do bem que seu ofício fazia a algumas pessoas. Por essas pessoas o
sacerdote não desistiu e no meio do caminho se re-encantou pela vocação.
Alguém
desistiu de dar cabo da vida porque se lembrou de um carente: “fulano precisa
de mim; por ele eu não posso tirar a minha vida!”
Um
divórcio foi adiado porque os filhos ainda eram novos. O homem/a mulher adiou
sair de casa e depois de algum tempo se apaixonou novamente pelo parceiro (a).
Relacionamentos
de pais e filhos foram renovados porque os filhos, por amar, entenderam que os
pais precisavam do seu perdão, porque ninguém é perfeito.
O
amor é maior do que a fé. Agora entendo um pouco melhor o apóstolo.
Nos
piores dias da sua vida, faça como Hagar, “se levante e abrace a alguém!”. A
vida vai colar em você. Você vai colar na vida. Você terá boas razões para não
desistir.
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