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Deus não é perfeccionista.



No livro de Gênesis, na poesia da criação, há um refrão que o Criador repete de boca cheia ao contemplar a obra que havia feito: “Bom. Bom. Muito bom!”. A frase traduz muito mais um deleite, uma gratidão – festa da memória – do que uma constatação de ter alcançado a perfeição, o definitivo, o acabado.
Reflita. O Criador conseguiria ou não aperfeiçoar os mares, o sol, as estrelas? Melhorar um pêssego? Se sim, as estrelas, o sol, os mares, o pêssego não são perfeitos, apesar de serem maravilhosos! Mas para Deus já estava bom. Não estava perfeito, mas Deus deu por encerrada a sua obra. E com gratidão.
Lembre-se também da frustração de Deus com as decisões livres dos homens e mesmo assim sua estima, gratidão e esperança pela humanidade não se cansam.
Quem sofre com o perfeccionismo não se deleita porque não consegue terminar o que está fazendo. Nunca se dá por satisfeito porque nunca alcança a perfeição. “Bom” para um perfeccionista é muito ruim. Para ele tem que ser perfeito. Daí seus dias são marcados pela ansiedade, frustração, desgaste emocional e azedume.
O Criador soube terminar, parar. Certamente tinha mais criatividade para fazer outras coisas, mas escolheu um momento para quietude e deleite! A paz reside muitas vezes em sabermos “terminar” as coisas, respeitarmos as etapas, respeitarmos a dinâmica do nosso corpo, a saúde e qualidade de vida.
É compreensível que num mundo de concorrência onde nós somos medidos por resultados, fiquemos sempre com a sensação de que estamos devendo algo, que estamos ficando para trás, de que o que fizemos não foi bom. Mas isso é um ácido que corrói a nossa existência. Precisamos de outra medida de tempo que não seja o relógio.
O que marcava o tempo/período na criação de Deus não era o relógio, o calendário, as estações, mas a gratidão na boca do Criador “bom, muito bom!”. Era esse o refrão que pontuava os “dias” de Deus.
Nossos dias e dinheiro são medidos pelo tempo, nossa capacidade também. Chronos é um deus terrível que devora seus adoradores impiedosamente. A única chance que nós temos de não sermos devorados por esse deus (tempo) é o exercício da gratidão, do olhar gracioso para a nossa caminha que, apesar de não ter sido perfeita ou obtido o êxito que esperávamos, foi boa.
Nesse período onde mais um ciclo se fecha, escolha pontuar com gratidão e doçura e não com o relógio, com os números, com os sucessos.
Olhe com ternura e tolerância para a sua história. Talvez você tenha conhecido a frustração de não ver seus sonhos realizados, a decepção com as metas do ano, o inconformismo de ter se dado tanto e ter alcançado tão pouco, não ter conseguido atender às expectativas suas e de outros, mas se você foi decente e honesto no seu ofício já valeu à pena. Se você foi verdadeiro, íntegro e trabalhou: isso já é bom!
Lembre-se que muitas coisas não dependem de você. Há muitas outras forças que concorrem com os nossos desejos como o acaso, a autonomia da natureza e a liberdade humana.
Pare um pouco, veja quanta coisa boa já lhe aconteceu. Quanta vida você já viveu, como sua vida tem sido interessante. Cultive um coração grato pela vida, por aquilo que conseguiu realizar, por ter se mantido fiel/leal às suas ideias, pelo amigo Deus, pela sua família e amigos.
E para que esse exercício seja também solidário e inclusivo, use da mesma tolerância e doçura com o próximo. Ele é muito parecido com você!
Que você possa chegar ao final do ano e dizer “foi bom!”.

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