“Quando fomos embora [do asilo], depois de ter beijado vovó e prometido voltar logo, minha irmão disse: ‘É, vovó parece bem instalada. Quanto ao resto... vamos nos apressar para esquecer isso bem depressa’. Não vamos fazer picuinha com o ‘apressar bem depressa’, o que seria mesquinho, e concentremo-nos na idéia: esquecer aquilo bem depressa.
Ao contrário, não se deve de jeito nenhum esquecer aquilo. Não se devem esquecer os velhos de corpos estragados, os velhos que estão pertinho de uma morte em que os jovens não querem pensar (por isso confiam ao asilo o cuidado de levar seus parentes, sem escândalo nem aborrecimentos), a inexistente alegria dessas derradeiras horas que deveriam ser aproveitadas a fundo e que são padecidas no tédio, na amargura e na repetição. Não se deve esquecer que o corpo definha, que os amigos morrem, que todos nos esquecem, que o fim é solidão. Esquecer muito menos que esses velhos foram jovens, que o tempo de uma vida é irrisório, que um dia temos vinte anos e, no dia seguinte, oitenta. Colombe acha que podemos ‘nos apressar para esquecer’ porque para ela ainda está muito longe a perspectiva da velhice, é como se isso jamais fosse lhe acontecer. Mas entendi muito cedo que uma vida se passa num tempinho à-toa, olhando para os adultos ao meu redor, tão apressados, tão estressados por causa do prazo de vencimento, tão ávidos de agora para não pensarem no amanhã... Mas, se tememos o amanhã, é porque não sabemos construir o presente e, quando não sabemos construir o presente, contamos que amanhã saberemos e nos ferramos, porque amanhã acaba sempre por se tornar hoje, não é mesmo?
Portanto, não devemos de jeito nenhum esquecer aquilo. É preciso viver com essa certeza de que envelheceremos e não será bonito, nem bom, nem alegre. E pensar que é agora que importa: construir agora, alguma coisa, a qualquer preço, com todas as nossas forças. Sempre ter na cabeça o asilo de idosos a fim de nos superarmos a cada dia, para tornar cada dia imperecível. Escalar passo a passo nosso próprio Everest e fazê-lo de tal modo que cada passo seja um pouco de eternidade.
O futuro serve para isto: para construir o presente com verdadeiros projetos de pessoas vivas”.
A elegância do ouriço, de Muriel Barbery. Companhia das Letras, pp 137 e 138.
Ao contrário, não se deve de jeito nenhum esquecer aquilo. Não se devem esquecer os velhos de corpos estragados, os velhos que estão pertinho de uma morte em que os jovens não querem pensar (por isso confiam ao asilo o cuidado de levar seus parentes, sem escândalo nem aborrecimentos), a inexistente alegria dessas derradeiras horas que deveriam ser aproveitadas a fundo e que são padecidas no tédio, na amargura e na repetição. Não se deve esquecer que o corpo definha, que os amigos morrem, que todos nos esquecem, que o fim é solidão. Esquecer muito menos que esses velhos foram jovens, que o tempo de uma vida é irrisório, que um dia temos vinte anos e, no dia seguinte, oitenta. Colombe acha que podemos ‘nos apressar para esquecer’ porque para ela ainda está muito longe a perspectiva da velhice, é como se isso jamais fosse lhe acontecer. Mas entendi muito cedo que uma vida se passa num tempinho à-toa, olhando para os adultos ao meu redor, tão apressados, tão estressados por causa do prazo de vencimento, tão ávidos de agora para não pensarem no amanhã... Mas, se tememos o amanhã, é porque não sabemos construir o presente e, quando não sabemos construir o presente, contamos que amanhã saberemos e nos ferramos, porque amanhã acaba sempre por se tornar hoje, não é mesmo?
Portanto, não devemos de jeito nenhum esquecer aquilo. É preciso viver com essa certeza de que envelheceremos e não será bonito, nem bom, nem alegre. E pensar que é agora que importa: construir agora, alguma coisa, a qualquer preço, com todas as nossas forças. Sempre ter na cabeça o asilo de idosos a fim de nos superarmos a cada dia, para tornar cada dia imperecível. Escalar passo a passo nosso próprio Everest e fazê-lo de tal modo que cada passo seja um pouco de eternidade.
O futuro serve para isto: para construir o presente com verdadeiros projetos de pessoas vivas”.
A elegância do ouriço, de Muriel Barbery. Companhia das Letras, pp 137 e 138.
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Na vivência do ser em nós
Seres em construção
Cada segundo de construção
Um compasso...uma canção
Na PRESENÇA, no coração
o presente, o futuro, plantados
regados, cuidados, colhidos...vivos
as histórias, os olhares, as paisagens, as viagens
dentro e fora, a aventura de querer...projetos vivos de viver!
Meu Deus! No mês de janeiro eu e meus dois amigos de trabalho, fomos realizar algumas ações em quatro asilos, levamos Presença, música, poesia, histórias, escuta...amor. saímos repletos de presenças, de histórias, de olhares falantes, falantes...de corações que dizem direto do fundo de livros abertos!