Há teólogos que se parecem com galo.
Acham que, se não cantarem direito, o sol não nasce: como se Deus fosse afetado por suas palavras. E até estabelecem inquisições para perseguir galos de canto diferente e condenam outros a fechar o bico, sob pena de excomunhões. Claro que fazem isto por se levarem muito a sério e por pensarem que Deus muda de ideia ou muda de ser ao sabor das coisas que nós pensamos e dizemos. O que é, para mim, a manifestação máxima de loucura, delírio maníaco levado ao extremo, este de atribuir onipotência às palavras que dizemos.
Teólogos são, frequetemente, galos que discutem qual a partitura certa: que canto cantar para que o sol levante? Neste sentido, conservadores fundamentalistas não se distinguem em nada dos teólogos científicos que se valem de métodos críticos de investigação. Todos estão de acordo em que existe uma partitura original, revelada, autoritativa, e que a tarefa da teologia é tocar sem desafinar. As brigas teológicas são discussões sobre se a tonalidade é maior ou menor, ou se o sinal é bemol ou sustenido. Uns querem que seja tocada com orquestra de câmera e outros afirmam que o certo é tocar com banda. Qualquer que seja a posição, todos afirmam que existe um único jeito de tocar a música. Desafinações, variações ou modificações trazem consigo o perigo de alguma grave consequência.
Eu penso, ao contrário, que não é nada disto.
O sol nasce sempre, do mesmo jeito, com galo ou sem galo.
Assim, o galo pode dormir à noite, sem a angústia de ter de acordar na hora certa. Se dormir demais, o sol vai se levantar do mesmo jeito. O que, sem dúvida, diminui seu senso de importância, mas tem a compensação do sono tranqüilo, o que não é de se desprezar.
Mais do que isto: o galo pode inventar outros cantos, sabendo que o sol não vais se zangar e vai nascer como sempre, no mesmo lugar.
Traduzido em jargão teológico, isto significa “graça”: a bondade de Deus continua a mesma, sempre, independente de nossas afinações ou desafinações. Ele nem nasce melhor quando estamos afinados e nem nasce pior quando estamos desafinados... Temos, portanto, a liberdade de fazer o que quiser... Eu não suportaria pensar que o meu pensamento é tão poderoso que, caso eu pense errado, Deus vai ficar torto.
A partitura tem o nome de teologia, mas quem dança somos nós...
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